Avançar para o conteúdo principal

Noémia de Sousa, a mãe dos poetas moçambicanos


Carolina Noémia Abranches de Sousa Soares

Se estivesse viva, Noémia de Sousa faria hoje 92 anos de idade.


Carolina Noémia Abranches de Sousa Soares (Catembe1926 — Cascais, 4 de Dezembro de 2002) foi uma poetisa, tradutora, jornalista e militante política moçambicana. É considerada a “mãe dos poetas moçambicanos”.
Noémia de Sousa estudou no Brasil e começou a publicar em O Brado Africano. Entre 1951 e 1964 viveu em Lisboa, onde trabalhou como tradutora, mas, em consequência da sua posição política de oposição ao Estado Novo teve que se exilar em Paris, onde trabalhou no consulado de Marrocos. Começa nesta altura a adoptar o pseudónimo de Vera Micaia.
A sua obra está dispersa por muitos jornais e revistas. Colaborou em publicações como Mensagem (CEI), Mensagem (Luanda), ItinerárioNotícias do Bloqueio (Porto, 1959), O Brado AfricanoMoçambique 58Vértice  (Coimbra), Sul  (Brasil).
Poeta, jornalista de agências de notícias internacionais, viajou pela África durante as lutas pela independência de vários países.
Em 1975 regressou a Lisboa, onde trabalhou na Agência Noticiosa Portuguesa. Em 2001, a Associação dos Escritores Moçambicanos publicou o livro Sangue Negro, que reúne a poesia de Noémia de Sousa escrita entre 1949 e 1951.
A sua poesia está representada na antologia de poesia moçambicana Nunca mais é Sábado, organizada por Nelson Saúte.




De seguida, apresentamos um dos seus poemas:

Se me quiseres conhecer (Noémia de Sousa)


Se me quiseres conhecer,

Se me quiseres conhecer,
estuda com os olhos bem de ver
esse pedaço de pau preto
que um desconhecido irmão maconde
de mãos inspiradas talhou e trabalhou
em terras distantes lá do Norte.

Ah, essa sou eu:
órbitas vazias de possuir a vida,
boca rasgada em feridas de angústia,
mãos enormes, espalmadas,
erguendo-se em jeito de quem implora e ameaça,
corpo tatuado de feridas visíveis e invisíveis
pelos chicotes da escravatura...
Torturada e magnífica,

Altiva e mística
África da cabeça aos pés,
-ah, essa sou eu:

Se quiseres compreender-me
vem debruçar-te sobre minha alma de África,
nos gemidos dos negros no cais
nos batuques frenéticos dos muchopes
na rebeldia dos machanganas
na estranha melancolia se evolando
duma canção nativa, noite dentro...

e nada mais me perguntes,
se é que me queres conhecer...
Que não sou mais que um búzio de carne,
onde a revolta de África congelou
seu grito inchado de esperança.



(25/12/1949)


Comentários

Mensagens populares deste blogue

3ª Edição do Festival de Poesia - 2017 (poesia e teatro em linguagem de sinais)

Declamação do poema “ O menino e o leão ”, em linguagem de sinais e uma peca teatral sobre o HIV-Sida, em linguagem de sinais.

OPINIÃO: Mulheres Moçambicanas à lupa

Mulheres moçambicanas à lupa Somos pouco mais de vinte e oito milhões de habitantes e mais de 50% (a metade) são mulheres. Olhar para Moçambique neste 2019 é, no mínimo, desolador. Fecharam-se os olhos de 2018 com a detenção de um antigo ministro das finanças. Abriram-se os olhos de 2019 com este dilema e antes mesmo de terminar este caso, Zambézia, Manica e, principalmente, Sofala sofreram nas mãos do Ciclone IDAI. Cada vez mais aumenta o número de mortos e feridos vítimas do IDAI. Aparecem cada vez mais robustos (aos milhares) os casos de cólera naquela parcela do país. Ainda nas ondas do IDAI, os nossos Mambas sofreram inundações na Guiné-bissau. Um hecatombe que resultou na dramática ausência dos Mambas no CAN 2019, muito por culpa própria, diga-se, em todo o caso, é uma selecção que está a perder o medo e a impor-se cada vez mais nos jogos fora de casa. É neste contexto que chegamos a este 07 de Abril (de 2019), dia da mulher moçambicana. Já o disse em fóruns similares a es

Exposição “Os Mabundas”

Descrição É inaugurada no dia 10 de abril de 2019, pelas 18h30, no Camões – Centro Cultural Português em Maputo, a exposição “Os Mabundas”, uma apresentação inédita do trabalho dos artistas moçambicanos, Gonçalo, Santos e Rodrigo Mabunda. A mostra idealizada pelo Camões em Moçambique tem um trabalho curatorial conjunto do Arquiteto Guilherme Godinho e do Diretor do Camões – Centro Cultural Português em Maputo, João Pignatelli. Esta arrojada iniciativa, que conta com o apoio do Barclays Bank Moçambique, tem como objetivo mostrar, na cidade onde nasceram os artistas, a singularidade e excelência dos trabalhos apresentados e divulgar junto do público nacional e internacional o fértil trabalho criativo de três dos mais talentosos artistas plásticos de Moçambique na atualidade. Nesta mostra familiar, as obras selecionadas são apresentadas dentro de um discurso curatorial que envolve não só a disposição espacial das obras em harmonia com o genius loci da sala do Camões, mas tam