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CRÓNICA: O Telefone Perdido no Chapa (por Paulo António Filipe)

Imagem da internet


Sou um jovem da geração 1990, vinte e tal anos de idade, estudante em uma das universidades públicas do país e trabalhador a meio período numa instituição privada. Há dias que não me desloco à faculdade pelo facto de não ter aulas nos mesmos e, portanto, passo todo o dia no trabalho, tal como aconteceu naquela sexta-feira da penúltima semana do mês de Agosto.

O dia iniciou calmo, saí de casa tarde e, consequentemente, cheguei atrasado ao trabalho. Durante o percurso da ida à cidade da Matola, onde se localiza o lugar onde labuto, pairava-me na mente – “hoje é sexta-feira, bom dia para, após o período laboral tomar umas geladinhas com bradas” - mas estava “tchonado”, as finanças minguavam nos meus bolsos e conta bancaria, de tal forma que tinha mesmo que me conformar com a garganta seca e no final do dia voltar à casa e continuar a minha maratona de seriados.

Após a minha chegada ao trabalho, interagi com os colegas, terminei o trabalho que iniciara no dia anterior e fiquei, como se diz na gíria popular do sul de moçambique, a “NGONHAR”, ou seja a espreguiçar-me, até que me foi dada a missão de ir deixar um material a um cliente nas bananeiras. Neste âmbito como já se estava no período do almoço, para não correr o risco de la chegar e ninguém encontrar, sai por volta das 13h15, à paragem, de modo a chegar ao local, pelo menos, um pouco depois das 14horas.

Durante a caminhada o pensamento que outrora tivera “as geladinhas”, pairara na minha mente, novamente, pois passei por um bar onde se vendia cerveja à pressão e, sim, vi aqueles copos cheios de sumo de malte e cevada bem gelados a serem servidos e consumidos por quem dispunha de capital para pagar por eles. Claramente fiquei totalmente hipnotizado, e com água na boca, mas estava “tchonado”, não havia maneira, era só contemplar e me dar por satisfeito. Continuei o meu percurso até à paragem e, chegado lá, estava uma chapa, vazio, que fazia a rota Cidade da Matola- T3 Nlhavela, ao qual me prontifiquei a subir e fui logo sentar-me no banco de trás, vulgo Backsit, na linguagem dos cobradores de chapa.

Tendo-me aconchegado, eis que o destino me prepara uma surpresa, boa? Não sei! Mas vejo um telefone celular na parte de baixo do penúltimo acento, bem ao lado dos meus pés. Era um LG, desses modernos, grandes, preto, bonito, como se tem dito na linguagem das boladas, Clean/Limpo, com algumas rachas no protector de vidro que não afectavam em nada. Não me dei o trabalho de perguntar a quem pertencia o “cell”, pois o chapa estava vazio quando subi e de certeza quem reclamasse a pertença do mesmo seria um oportunista. Meu Deus! – Pensei – que sorte a minha!

Segurei o telefone em minha mão e a imagem das cervejinhas geladas pairou, mais uma vez, em minha mente, pois que havia acertado um “jackpot”, era só pegar o “cell”, desligar, tirar o cartão, partir, deitar fora e “BOLAR”, desta feita, já tinha o problema da sexta-feira e final de semana resolvidos, seria uma acção honesta, afinal de contas – achado não é roubado – pensei. Contudo, diante deste pensamento, veio-me à memória o cenário de quando me foi roubado o telemóvel há pouco mais de 9 meses, lembrei-me do desespero que tive, não só pelo valor de aquisição do aparelho, mas, também, pela informação que lá tinha, fotos, vídeos, documentos, contactos entre outras. Sendo assim, mantive o “cell” ligado na esperança de que o dono, ao aperceber-se que já não dispunha do seu telefone, de alguma forma tentasse contactar de modo a que se lhe pudesse devolver o aparelho.

Não demorou! 10 Minutos depois entra uma chamada de um número desconhecido no “cell” que apanhei no chapa, não atendi logo a primeira. Insistiu, atendi e, como era de se imaginar, era o proprietário, todo desesperado:
- Alo! Desculpa mano é que deixei cair esse “cell”.
- Alo! sim, apanhei a pouco tempo no chapa, onde tu estas agora?
- Eu agora estou no Godinho! E tu?
- Epah! Acabo de sair do Godinho, neste momento estou a passar as bombas da madruga, vou às bananeiras – de repente começa a cair uma forte chuva.
- Eu trabalho nas bombas da madruga, podes deixar o “cell” ai com qualquer pessoa, meu nome é, por questões de privacidade será usado somente o apelido, Cumbane - disse ele, mais desesperado ainda, achando que das bananeiras me ia embora de vez e nunca mais viria o seu celular, confesso que no lugar dele acharia o mesmo.
- Vamos fazer assim!- exclamei! - A minha volta das bananeiras passo e deixo, visto que trabalho no Godinho, pode ser?
- Está bem mano, muito obrigado, estarei a espera! – retrucou.

Desliguei o telemóvel e continuei o meu percurso até às bananeiras. Quando lá cheguei felizmente a chuva já havia parado, cumpri com os meus deveres e tomei outro chapa de volta à Cidade da Matola.

Com o meu número pessoal, tentei ligar para o contacto com o qual o proprietário fez a chamada, no entanto, na primeira tentativa não me atendeu. Liguei pela segunda vez e atende um jovem, identifico-me como sendo a pessoa com a qual tivera interagido há horas sobre um telefone perdido no chapa e pergunto se o proprietário do mesmo ainda com ele estava, tendo o mesmo se identificado como primo do visado e informado que o seu primo se encontrava, no momento, nas bombas da madruga, onde trabalha. De seguida, pedi que ele enviasse o meu número a alguém que estivesse perto dele de modo a que o mesmo entrasse em contacto comigo, pois queria-lhe entregar o telefone em mãos e não por terceiros – ok, farei isso, obrigado mano! Retorquiu ele.

Passaram-se mais de duas horas, e não recebi nenhuma chamada. Bom, fiquei pensativo - será que vou, assim, até as bombas da madruga? Ou levo o telefone comigo para casa, como ainda tinha 50% de carga aguentaria até que lá chegasse para carrega-lo, e caso ligue mais tarde o mesmo teria que ir ao meu encontro!
Não demorou, por volta das 16h50 min, entra uma chamada no telefone que encontrei no chapa, hesitei, pois já haviam entrado outras chamadas, que atendi, mas eram de pessoas que queriam falar com o proprietário. Contudo apesar da hesitação acabei atendendo e para a minha sorte era o do dono do “cell” que ligara através do contacto de um colega de serviço.

- Come mano, que tal, ainda vens? – Pergunta ele já desmoralizado, pela demora, acho eu.
- Sim, sim, vou, estou prestes a sair de Godinho para ai – respondi.
- Está bem, aguardo!
- Mas confirma-me só o seu nome - deu-me o seu nome completo e de seguida despedi-lhe.

Tomei um chapa da rota Cidade da Matola-Tchumene e desci na paragem do Spa da Matola. Dirigi-me às bombas da madruga, fui ao encontro do segurança, saudei-lhe e perguntei-lhe se conhecia o senhor Cumbane, que trabalha naquelas bombas, o mesmo respondeu que sim e indicou-me a sua localização.
Vi-o ao longe, peguei o seu telemóvel observei a foto do papel de parede e fiz uma comparação usando o meu “olhimetro”, as feições batiam. Bom, fui ao seu encontro, saudei-lhe:
- Boa tarde, é o senhor Cumbane?
- Sim sou eu – respondeu ele meio surpreso, mas creio que já imaginava do que se tratava, pois prontificou-se a mostrar-me a sua identificação.
- Sou o jovem que encontrou o seu telemóvel no chapa - informo-lhe, com um sorriso.

No momento ele terminava de abastecer uma viatura, posto isso, puxou-me para um canto, tendo-me contado as peripécias do dia a quando da procura do telemóvel e o desespero que teve quando percebeu que o havia deixado cair no chapa. O mesmo afirmou que não acreditava que realmente iria para lá e entregar-lho-ia o telefone, do jeito que as coisas andam hoje em dia – é difícil um jovem agir desse jeito - afirmou ele.

Entreguei-lhe o celular, o senhor estava totalmente incrédulo e em algum momento, caso não esteja enganado, chegou a tremer. Conversamos mais um pouco, contei-lhe da experiência que tive quando roubaram-me o telefone e durante esta troca de ideias, ouviam-se vozes – é este jovem?- eram os colegas, e ele respondia – sim é ele - não acreditavam mesmo que fosse lá aparecer, Todos congratulavam pela atitude.

Ao despedir-me, o senhor Cumbane pediu-me que esperasse, deslocou-se até ao balcão do posto de abastecimento e a sua volta trazia, nas suas mãos, uma nota de 500 meticais, dizendo – meu jovem, muito obrigado, são raras esse tipo de pessoas, toma isso como uma forma de agradecimento, não muda esse coração. Agradeci e fui-me embora, muito feliz pois fiz o bem e as geladinhas, com as quais sonhei e babei durante o dia, estavam garantidas, afinal de contas já tinha uns “quinhas” no bolso, sem ter precisado desgraçar o outro.

Para mim, aquela sexta-feira da penúltima semana de Agosto de 2018 foi um dia de grande lição de vida e aprendi mais uma vez, sem sobra de dúvidas, que é praticando o bem que se recebe o bem.

 Paulo António Filipe. 
Maputo, 30 de Agosto de 2018



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