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Sou
um jovem da geração 1990, vinte e tal anos de idade, estudante em uma das
universidades públicas do país e trabalhador a meio período numa instituição
privada. Há dias que não me desloco à faculdade pelo facto de não ter aulas nos
mesmos e, portanto, passo todo o dia no trabalho, tal como aconteceu naquela sexta-feira
da penúltima semana do mês de Agosto.
O
dia iniciou calmo, saí de casa tarde e, consequentemente, cheguei atrasado ao
trabalho. Durante o percurso da ida à cidade da Matola, onde se localiza o lugar
onde labuto, pairava-me na mente – “hoje é sexta-feira, bom dia para, após o
período laboral tomar umas geladinhas com bradas” - mas estava “tchonado”, as
finanças minguavam nos meus bolsos e conta bancaria, de tal forma que tinha
mesmo que me conformar com a garganta seca e no final do dia voltar à casa e
continuar a minha maratona de seriados.
Após
a minha chegada ao trabalho, interagi com os colegas, terminei o trabalho que
iniciara no dia anterior e fiquei, como se diz na gíria popular do sul de
moçambique, a “NGONHAR”, ou seja a espreguiçar-me, até que me foi dada a missão
de ir deixar um material a um cliente nas bananeiras. Neste âmbito como já se
estava no período do almoço, para não correr o risco de la chegar e ninguém
encontrar, sai por volta das 13h15, à paragem, de modo a chegar ao local, pelo
menos, um pouco depois das 14horas.
Durante
a caminhada o pensamento que outrora tivera “as geladinhas”, pairara na minha
mente, novamente, pois passei por um bar onde se vendia cerveja à pressão e,
sim, vi aqueles copos cheios de sumo de malte e cevada bem gelados a serem
servidos e consumidos por quem dispunha de capital para pagar por eles.
Claramente fiquei totalmente hipnotizado, e com água na boca, mas estava “tchonado”,
não havia maneira, era só contemplar e me dar por satisfeito. Continuei o meu
percurso até à paragem e, chegado lá, estava uma chapa, vazio, que fazia a rota
Cidade da Matola- T3 Nlhavela, ao qual me prontifiquei a subir e fui logo
sentar-me no banco de trás, vulgo Backsit,
na linguagem dos cobradores de chapa.
Tendo-me
aconchegado, eis que o destino me prepara uma surpresa, boa? Não sei! Mas vejo
um telefone celular na parte de baixo do penúltimo acento, bem ao lado dos meus
pés. Era um LG, desses modernos, grandes, preto, bonito, como se tem dito na linguagem
das boladas, Clean/Limpo, com algumas
rachas no protector de vidro que não afectavam em nada. Não
me dei o trabalho de perguntar a quem pertencia o “cell”, pois o chapa estava vazio quando subi e de certeza quem
reclamasse a pertença do mesmo seria um oportunista. Meu Deus! – Pensei – que
sorte a minha!
Segurei
o telefone em minha mão e a imagem das cervejinhas geladas pairou, mais uma vez,
em minha mente, pois que havia acertado um “jackpot”,
era só pegar o “cell”, desligar,
tirar o cartão, partir, deitar fora e “BOLAR”, desta feita, já tinha o problema
da sexta-feira e final de semana resolvidos, seria uma acção honesta, afinal de
contas – achado não é roubado – pensei. Contudo, diante deste pensamento,
veio-me à memória o cenário de quando me foi roubado o telemóvel há pouco mais
de 9 meses, lembrei-me do desespero que tive, não só pelo valor de aquisição do
aparelho, mas, também, pela informação que lá tinha, fotos, vídeos, documentos,
contactos entre outras. Sendo assim, mantive o “cell” ligado na esperança de que o dono, ao aperceber-se que já não
dispunha do seu telefone, de alguma forma tentasse contactar de modo a que se
lhe pudesse devolver o aparelho.
Não demorou!
10 Minutos depois entra uma chamada de um número desconhecido no “cell” que apanhei no chapa, não atendi logo
a primeira. Insistiu, atendi e, como era de se imaginar, era o proprietário,
todo desesperado:
- Alo!
Desculpa mano é que deixei cair esse “cell”.
- Alo!
sim, apanhei a pouco tempo no chapa, onde tu estas agora?
- Eu
agora estou no Godinho! E tu?
- Epah!
Acabo de sair do Godinho, neste momento estou a passar as bombas da madruga,
vou às bananeiras – de repente começa a cair uma forte chuva.
- Eu
trabalho nas bombas da madruga, podes deixar o “cell” ai com qualquer pessoa, meu nome é, por questões de
privacidade será usado somente o apelido, Cumbane - disse ele, mais desesperado
ainda, achando que das bananeiras me ia embora de vez e nunca mais viria o seu
celular, confesso que no lugar dele acharia o mesmo.
- Vamos
fazer assim!- exclamei! - A minha volta das bananeiras passo e deixo, visto que
trabalho no Godinho, pode ser?
- Está
bem mano, muito obrigado, estarei a espera! – retrucou.
Desliguei
o telemóvel e continuei o meu percurso até às bananeiras. Quando lá cheguei
felizmente a chuva já havia parado, cumpri com os meus deveres e tomei outro
chapa de volta à Cidade da Matola.
Com
o meu número pessoal, tentei ligar para o contacto com o qual o proprietário
fez a chamada, no entanto, na primeira tentativa não me atendeu. Liguei pela
segunda vez e atende um jovem, identifico-me como sendo a pessoa com a qual
tivera interagido há horas sobre um telefone perdido no chapa e pergunto se o proprietário
do mesmo ainda com ele estava, tendo o mesmo se identificado como primo do
visado e informado que o seu primo se encontrava, no momento, nas bombas da
madruga, onde trabalha. De seguida, pedi que ele enviasse o meu número a alguém
que estivesse perto dele de modo a que o mesmo entrasse em contacto comigo,
pois queria-lhe entregar o telefone em mãos e não por terceiros – ok, farei
isso, obrigado mano! Retorquiu ele.
Passaram-se
mais de duas horas, e não recebi nenhuma chamada. Bom, fiquei pensativo - será
que vou, assim, até as bombas da madruga? Ou levo o telefone comigo para casa,
como ainda tinha 50% de carga aguentaria até que lá chegasse para carrega-lo, e
caso ligue mais tarde o mesmo teria que ir ao meu encontro!
Não
demorou, por volta das 16h50 min, entra uma chamada no telefone que encontrei
no chapa, hesitei, pois já haviam entrado outras chamadas, que atendi, mas eram
de pessoas que queriam falar com o proprietário. Contudo apesar da hesitação
acabei atendendo e para a minha sorte era o do dono do “cell” que ligara através do contacto de um colega de serviço.
-
Come mano, que tal, ainda vens? – Pergunta ele já desmoralizado, pela demora,
acho eu.
-
Sim, sim, vou, estou prestes a sair de Godinho para ai – respondi.
-
Está bem, aguardo!
-
Mas confirma-me só o seu nome - deu-me o seu nome completo e de seguida
despedi-lhe.
Tomei
um chapa da rota Cidade da Matola-Tchumene e desci na paragem do Spa da Matola.
Dirigi-me às bombas da madruga, fui ao encontro do segurança, saudei-lhe e
perguntei-lhe se conhecia o senhor Cumbane, que trabalha naquelas bombas, o
mesmo respondeu que sim e indicou-me a sua localização.
Vi-o
ao longe, peguei o seu telemóvel observei a foto do papel de parede e fiz uma
comparação usando o meu “olhimetro”,
as feições batiam. Bom, fui ao seu encontro, saudei-lhe:
- Boa
tarde, é o senhor Cumbane?
- Sim
sou eu – respondeu ele meio surpreso, mas creio que já imaginava do que se
tratava, pois prontificou-se a mostrar-me a sua identificação.
- Sou
o jovem que encontrou o seu telemóvel no chapa - informo-lhe, com um sorriso.
No
momento ele terminava de abastecer uma viatura, posto isso, puxou-me para um
canto, tendo-me contado as peripécias do dia a quando da procura do telemóvel e
o desespero que teve quando percebeu que o havia deixado cair no chapa. O mesmo
afirmou que não acreditava que realmente iria para lá e entregar-lho-ia o
telefone, do jeito que as coisas andam hoje em dia – é difícil um jovem agir desse
jeito - afirmou ele.
Entreguei-lhe
o celular, o senhor estava totalmente incrédulo e em algum momento, caso não
esteja enganado, chegou a tremer. Conversamos mais um pouco, contei-lhe da
experiência que tive quando roubaram-me o telefone e durante esta troca de
ideias, ouviam-se vozes – é este jovem?- eram os colegas, e ele respondia – sim
é ele - não acreditavam mesmo que fosse lá aparecer, Todos congratulavam pela
atitude.
Ao
despedir-me, o senhor Cumbane pediu-me que esperasse, deslocou-se até ao balcão
do posto de abastecimento e a sua volta trazia, nas suas mãos, uma nota de 500
meticais, dizendo – meu jovem, muito obrigado, são raras esse tipo de pessoas,
toma isso como uma forma de agradecimento, não muda esse coração. Agradeci e
fui-me embora, muito feliz pois fiz o bem e as geladinhas, com as quais sonhei
e babei durante o dia, estavam garantidas, afinal de contas já tinha uns
“quinhas” no bolso, sem ter precisado desgraçar o outro.
Para
mim, aquela sexta-feira da penúltima semana de Agosto de 2018 foi um dia de
grande lição de vida e aprendi mais uma vez, sem sobra de dúvidas, que é
praticando o bem que se recebe o bem.
Paulo António Filipe.
Maputo, 30 de Agosto de 2018
Parabéns coisa rara essa
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